10 de fev. de 2012


Tarde  de Junho

Numa das cenas mais engraçadas do filme “Os cabeças de vento”, os integrantes de um grupo de rock que não conseguem fazer sucesso decidem que o melhor caminho seria a radicalização: iriam invadir uma emissora de rádio a fim de, finalmente, terem o espaço que o “sistema” negava-lhes. Sem grandes dificuldades invadem a emissora local e tomam posso dos microfones. Espantados pelo fato dos funcionários não terem oferecido resistência, encontram-se diante de um problema bem mais complicado: agora, que estão de posse do poder, que podem dizer o que bem quiserem, mostrar finalmente o seu trabalho, etc, agora que são eles quem estão lá, o que dizer?? E, pateticamente, ficam sem saber o que vão dizer. Depois de alguns minutos de dolorosa hesitação um deles resolve pegar o microfone e gritar a única coisa que lhe vem à cabeça: “rock’n roll!!”. E a cena termina...

O ridículo da situação lembra, de certa forma, o que acontece com a própria internet. Pela primeira vez na história qualquer mortal que tenha acesso a um computador e uma linha telefônica pode dizer o que bem quiser a literalmente todo o mundo. Não exatamente assim, é bem verdade... Desde que ele pertença à parte do mundo que possua acesso ao equipamento. Além disso, “todo o mundo” diz respeito ao mundo dos que, como ele, possuem equipamento e linha telefônica. E, por fim, que os outros tenham motivos para ler ou ver o que ele colocou na rede.

As chances disso acontecer são, como qualquer um sabe, bastante reduzidas. Por mais originais que suas ideias sejam – ou por mais que você assim as considere – colocá-las na internet por meio de um blog não significa que todas aquelas pessoas se interessem pelo assunto – para não falar das que não se interessam – irão ler o que você escreveu ou mesmo entrarão em contato ou muito menos tentarão combinar alguma “ação conjunta”. Isso pode até acontecer, é claro, mas só por uma dessas obras do acaso e da sorte. O mais provável é que as pessoas continuem a se interessar mais pelas salas de bate papo, pelas lojas virtuais, e, óbvio, por tudo aquilo que diz respeito a sexo, assunto preferido dos internautas. As estatísticas sobre as proporções destes usos “menos elevados” da rede são frequentemente divulgadas e confirmam o que estou dizendo.

Voltando então ao dilema dos integrantes de “O cavaleiro solitário” (é o nome do grupo que invade a tal emissora de rádio) o problema não parece ser o da ausência de espaços de divulgação. Qualquer um pode dizer o que bem quiser para todo o mundo. O que é completamente diferente de afirmar que poderá ser ouvido, lido, visto por todo mundo. As chances de receptividade nesse caso – óbvio, o caso de “internautas simples mortais”... – é muito próxima a daqueles pregadores de rua, que tentam converter aos gritos as pessoas que passam, indiferentes ao conteúdo de sua pregação.

Em boa parte o muito que se diz e se espera da internet tem a ver com as enormes expectativas que em relação a ela foram construídas. As especulações em relação ao futuro da rede são, quase sempre, as mais otimistas. Ou pelo menos otimistas do ponto de vista do mercado e de todos os negócios que, por essa forma, se apresentam agora viáveis ou ainda mais viáveis que antes. A vida fora do mercado, de qualquer forma, provavelmente continuará sendo como sempre foi. Os fundamentos da felicidade e da infelicidade humana não deverão ser grandemente alterados. Nunca li nada a respeito, mas imagino que, quando da invenção do telefone, a novidade que naquele momento era falar com alguém que não estava por perto e não se podia ver deve ter soado como a coisa mais estranha e impensável. E provavelmente alguém imaginou que um novo mundo e um novo tipo de relacionamento entre os homens surgia. Ninguém acha isso hoje.

Já se disse o dobro e provavelmente mais sobre as incríveis possibilidades abertas pela internet. Facilidades de serviços, de compras, de aquisição de conhecimento, facilidade de comunicação e facilidade de tudo quanto possa ser traduzido ao potencial da rede. Não preciso, portanto, acrescentar uma única linha a tudo isso. Por outro lado e pelos motivos que logo acima insinuei, é pouquíssimo frequente ver em qualquer lugar expectativas relacionadas à internet que fiquem aquém do deslumbramento e do entusiasmo.

Pode parecer estranho não querer muito numa época em que tantas coisas são oferecidas o tempo todo a tantas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, é estranho querer tanto. Tenho pouquíssima paciência para ler, num texto longo e em letras miúdas, todas as vantagens que terei caso venha a adquirir o cartão de crédito que me chega pelo correio. Uma longa e detalhadíssima explicação cuja finalidade é demonstrar como minha vida seria mais simples com aquele cartão. A mesma vida que seria também mais simples, mais prática, mais ágil, mais alegre e feliz caso eu viesse a ter acesso a todos os cd’s do mundo, todos os filmes, todas as notícias sobre todas as coisas e sobre todos os astros do cinema e da televisão. Mas para tanto seria preciso muito dinheiro, muita paciência, muita crença de que tudo isso, de fato, é tão interessante assim... Pessoalmente prefiro outras coisas. Meus maiores planos, os mais grandiosos, os mais sofisticados e ultra rebuscados são os de, nesta tarde de junho, andar a pé por uma rua da cidade, de um bairro que pouca gente gosta, mas que me agrada muito. Vou então planejar outras coisas: um dia comprar o travesseiro de penas de ganso que vi na loja, a fotografia impossível de Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo”, andar por aquela estrada da Espanha que vi no meu livro de geografia do meu irmão, o passeio inesquecível com minha mulher em Poços de Caldas. Um dia, é claro, farei, terei, voltarei a ter, ver e fazer essas coisas. Por enquanto é mais divertido apenas pensar nelas, nesta rua e nesta tarde que, para ninguém a não ser para mim, não teriam a menor importância.  




Escrito por Fábio Viana Ribeiro

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