Tarde de Junho
Numa
das cenas mais engraçadas do filme “Os cabeças de vento”, os integrantes de um
grupo de rock que não conseguem fazer sucesso decidem que o melhor caminho
seria a radicalização: iriam invadir uma emissora de rádio a fim de,
finalmente, terem o espaço que o “sistema” negava-lhes. Sem grandes
dificuldades invadem a emissora local e tomam posso dos microfones. Espantados
pelo fato dos funcionários não terem oferecido resistência, encontram-se diante
de um problema bem mais complicado: agora, que estão de posse do poder, que
podem dizer o que bem quiserem, mostrar finalmente o seu trabalho, etc, agora
que são eles quem estão lá, o que dizer?? E, pateticamente, ficam sem saber o
que vão dizer. Depois de alguns minutos de dolorosa hesitação um deles resolve
pegar o microfone e gritar a única coisa que lhe vem à cabeça: “rock’n roll!!”.
E a cena termina...
O
ridículo da situação lembra, de certa forma, o que acontece com a própria
internet. Pela primeira vez na história qualquer mortal que tenha acesso a um
computador e uma linha telefônica pode dizer o que bem quiser a literalmente
todo o mundo. Não exatamente assim, é bem verdade... Desde que ele pertença à
parte do mundo que possua acesso ao equipamento. Além disso, “todo o mundo” diz
respeito ao mundo dos que, como ele, possuem equipamento e linha telefônica. E,
por fim, que os outros tenham motivos para ler ou ver o que ele colocou na
rede.
As
chances disso acontecer são, como qualquer um sabe, bastante reduzidas. Por
mais originais que suas ideias sejam – ou por mais que você assim as considere
– colocá-las na internet por meio de um blog não significa que todas aquelas
pessoas se interessem pelo assunto – para não falar das que não se interessam –
irão ler o que você escreveu ou mesmo entrarão em contato ou muito menos
tentarão combinar alguma “ação conjunta”. Isso pode até acontecer, é claro, mas
só por uma dessas obras do acaso e da sorte. O mais provável é que as pessoas
continuem a se interessar mais pelas salas de bate papo, pelas lojas virtuais,
e, óbvio, por tudo aquilo que diz respeito a sexo, assunto preferido dos
internautas. As estatísticas sobre as proporções destes usos “menos elevados”
da rede são frequentemente divulgadas e confirmam o que estou dizendo.
Voltando
então ao dilema dos integrantes de “O cavaleiro solitário” (é o nome do grupo
que invade a tal emissora de rádio) o problema não parece ser o da ausência de
espaços de divulgação. Qualquer um pode dizer o que bem quiser para todo o
mundo. O que é completamente diferente de afirmar que poderá ser ouvido, lido,
visto por todo mundo. As chances de receptividade nesse caso – óbvio, o caso de
“internautas simples mortais”... – é muito próxima a daqueles pregadores de
rua, que tentam converter aos gritos as pessoas que passam, indiferentes ao
conteúdo de sua pregação.
Em
boa parte o muito que se diz e se espera da internet tem a ver com as enormes
expectativas que em relação a ela foram construídas. As especulações em relação
ao futuro da rede são, quase sempre, as mais otimistas. Ou pelo menos otimistas
do ponto de vista do mercado e de todos os negócios que, por essa forma, se
apresentam agora viáveis ou ainda mais viáveis que antes. A vida fora do
mercado, de qualquer forma, provavelmente continuará sendo como sempre foi. Os
fundamentos da felicidade e da infelicidade humana não deverão ser grandemente
alterados. Nunca li nada a respeito, mas imagino que, quando da invenção do
telefone, a novidade que naquele momento era falar com alguém que não estava
por perto e não se podia ver deve ter soado como a coisa mais estranha e
impensável. E provavelmente alguém imaginou que um novo mundo e um novo tipo de
relacionamento entre os homens surgia. Ninguém acha isso hoje.
Já
se disse o dobro e provavelmente mais sobre as incríveis possibilidades abertas
pela internet. Facilidades de serviços, de compras, de aquisição de
conhecimento, facilidade de comunicação e facilidade de tudo quanto possa ser
traduzido ao potencial da rede. Não preciso, portanto, acrescentar uma única
linha a tudo isso. Por outro lado e pelos motivos que logo acima insinuei, é
pouquíssimo frequente ver em qualquer lugar expectativas relacionadas à
internet que fiquem aquém do deslumbramento e do entusiasmo.
Pode
parecer estranho não querer muito numa época em que tantas coisas são
oferecidas o tempo todo a tantas pessoas. Mas, ao mesmo tempo, é estranho
querer tanto. Tenho pouquíssima paciência para ler, num texto longo e em letras
miúdas, todas as vantagens que terei caso venha a adquirir o cartão de crédito
que me chega pelo correio. Uma longa e detalhadíssima explicação cuja
finalidade é demonstrar como minha vida seria mais simples com aquele cartão. A
mesma vida que seria também mais simples, mais prática, mais ágil, mais alegre
e feliz caso eu viesse a ter acesso a todos os cd’s do mundo, todos os filmes,
todas as notícias sobre todas as coisas e sobre todos os astros do cinema e da
televisão. Mas para tanto seria preciso muito dinheiro, muita paciência, muita
crença de que tudo isso, de fato, é tão interessante assim... Pessoalmente
prefiro outras coisas. Meus maiores planos, os mais grandiosos, os mais
sofisticados e ultra rebuscados são os de, nesta tarde de junho, andar a pé por
uma rua da cidade, de um bairro que pouca gente gosta, mas que me agrada muito.
Vou então planejar outras coisas: um dia comprar o travesseiro de penas de
ganso que vi na loja, a fotografia impossível de Audrey Hepburn em “Bonequinha
de Luxo”, andar por aquela estrada da Espanha que vi no meu livro de geografia
do meu irmão, o passeio inesquecível com minha mulher em Poços de Caldas. Um
dia, é claro, farei, terei, voltarei a ter, ver e fazer essas coisas. Por
enquanto é mais divertido apenas pensar nelas,
nesta rua e nesta tarde que, para ninguém a não ser para mim, não teriam a
menor importância.
Escrito por Fábio Viana Ribeiro
Escrito por Fábio Viana Ribeiro
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